quinta-feira, 22 de abril de 2010

Sobrino de Botín

O restaurante mais antigo do mundo

Fundado em Madrid, em 1725, como uma casa de comidas, Botín hoje é considerado o mais antigo restaurante de que se têm notícias.

Numa ruela no centro antigo de Madri, uma taverna abre todos os dias para o almoço e para  o jantar há 271 anos, sem nunca ter mudado de Nome ou de ramo de atividade. Um recorde que foi registrado pelo Guinness.

Provavelmente o único lugar e a em única época em que não existiram restaurantes foi o Jardim do Éden, durante o período de fartura do pomar, que acabou na confusão que todos conhecem. Mas bastou pintar o primeiro homem com habilidade para transformar grãos, frutos e seres da terra em pratos saborosos e pronto: surgiu a  primeira mesa. Daí que falar em restaurante mais Antigo do mundo é quase uma heresia, já que o primeiro, de verdade, ficou escondido em algum nicho insondável da História.

Ao consta, porém, não há nenhum restaurante fenício, sumério ou mesopotâmico remanescente no século 20. Isso explica por que o critério para defenirqual é hoje, de fato, o restaurante de mais longa data seja o seu período de funcionamento nessa atividade específica , contando de 1996 para trás. Quem fez esse trabalho foi o Instituto Guinness, que, como se sabe, e uma entidade especializada em cavucar recordes, dos mais curiosos aos mais inúteis.  Assim foi que , numa determinada tarde no início dos anos 90, um emissário do Guinness surgiu na Calle de Cuchilleros, 17, no coração do Casco Viejo (o bairro mais antigo) de Madri, e entregou ao proprietário um diploma que  oficializava : a Antigua Casa Sobrino de Botín era, reconhecidamente, o restaurante mais antigo do mundo.

A Visita não mudou em nada a rotina da velha taverna, que sempre teve lotação completa, bons assados e bons vinhos. Mas o Botín - que é como tanto espanhóis,  como gourmets do mundo todo, chamam  o lugarque ganhou um novo diploma para pendurar em sua parede e passou a constar em mais alguns livros ao redor do mundo. O que, aliás, não é exatamente uma novidade na história desse estabelecimento, que funciona desde o ano de 1725 no mesmo edifício, com a mesma atividade  - o que lhe garantiu o recorde - com a mesma capacidade Capacidade de atrair clientes. Na verdade, a grande glória do restaurante do Ponto de vista literário é ter sido citado na cena final do livro The Sun Also Rises, de Ernest Hemingway. Mas que entrar no Guinness também tem lá o seu valor, ah, isso tem!
  
Até porque isso faz lembrar como era o mundo quando o Botín abriu suas portas. O Brasil, por exemplo, era uma esquecida colônia, onde grupos de aventureiros organizavam expedições ao interior, no que mais tarde seria chamado de período das entradas e bandeiras. A América do Norte estava dividida entre ingleses, franceses e espanhóis e cidades como São Francisco ainda nem haviam  sido fundadas . O centro do mundo era mesmo a Europa, perdida em intermináveis guerras entre infinitos réis. A Espanha, por exemplo, acabara de emergir de uma Guerra de doze anos, que terminou com a posse do Rei Felipe V. cujo antigo palácio (séculos mais tarde destruído por hum incêndio ) ficava a poucas centenas de metros da Calle de Cuchilleros. Nessa ruela sinuosa, pegada à Plaza Mayor, existiam várias oficinas de artesãos ferreiros, muitos dos quais fabricavam facas (cuchillos), donde derivou o Nome.

Esta é asala mais antiga, datada de 1590, quando ali funcionava uma hospedaria

Ali também funcionava, desde o século 16, uma bodega, onde  os locais se aliviavam do tórrido verão madrileño  mas que, naquele ano de 1725, foi posta abaixo para a inauguração da nova taverna. Um prédio então novinho em folha foi erguido local, preservando-se apenas  a cave subterrânea, que  existia até hoje e é o salão preferido pelos  habitués do Botín atual .

Mas o verdadeiro marco da inauguração foi a instalação do forno decorado com azulejos , destinado assar pratos típicos da Província de Castilha. Ele está láainda hoje. As famílias que se sucederam  na direção do estabelecimento nos séculos seguintes sempre apostaram que a qualidade do forno foi a responsável pela longevidade do Botín. E, embora algumas outras coisas tenham mudado como  a extinção do alojamento para  hóspedes, que também funcionou no prédio até 1860, o forno continuou lá, com sua grande boca incandescente tragando carnes cruas e devolvendo-as deliciosamente crocantes.

Esta sala forrada de azulejos e com janelas de treliças chama-se Castilla.

O Botín nunca foi, nessa trajetória, uma casa de Nobres.

A aristocracia da Casa de Borbón passava ao largo da rua dos artesãos, fazendo muxoxos. A plebe, porém, se esbaldava na taverna, produzindo montanhas de pratos sujos para aborrecimento dos serventes de cozinha. Entre eles, um Certo Francisco de Goya e Lucientes, que exercia seu  ofício de má vontade, dizendo aos colegas que um dia gostaria de se dedicar à pintura. Como se sabe, o Botín acabou perdendo um lavador de pratos sofrível. Em compensação, a humanidade ganhou de Goya algumas das mais esplendidas obras de arte realizadas já.

O Botín de hoje é um resultado dessa legenda, mas continua fiel a suas raízes como, com preços acessíveis a plebeus, bom  vinho, alegria e as noites, quandos os trovadores invadem seus salões com estranhos instrumentos castelhanos. Sua piéce de resistance ainda é o cochinillo asado, um leitãozinho de 21 dias que por 2 250 pesetas (cerca de 20 reais) leva o gourmet ao sétimo céu. Para acompanhar , peça vinho de Rioja (recomendado pelo próprio Hemingway) e arremate com um surtido de  buñuelos, uma espécie de sonhos recheados com sorvetes de três sabores .

Quando você sair de lá, tera compreendido o porquê da vida longa do Botín. E só vai lamentar não poder voltar, por exemplo, no século 23. Porquê ele certamente estara lá .

O apetite de um certo senhor Hemingway

Na cena final do livro The Sun Also Rises, os personagens Brett e Jake almoçam  no Botín. "É um dos melhores restaurantes do mundo. Nós comemos um leitão tostado e bebemos  Rioja Alta" Diz Jake. "Meu Deus, que refeição você comeu ", espanta-se Brett. E a cena prossegue até o livro acabar, algumas linhas depois.

O escritor norte-americano Ernest Hemingway viveu intensamente e suicidou-se no início dos anos 60, imortalizou o Botín nesse parágrafo. O que  presenta muito nas palavras de um notório bon vivant, curtidor dos prazeres mundanos. O Botín não foi o único restaurante de Madri em que Hemingway comeu, e inúmeras tabernas vizinhas juram que ele as visitou também . Aliás em toda a Calle de Cuchilleros, os restaurantes exibem fotos de personalidades que vão de presidentes a artistas, de Ursula Andress a Gabriel García Marques, de Pelé  a Nelson Ned.

Mas a presença oficial de Hemingway, embora anunciada em cada casa, só está  comprovada,  através de literatura, pelo Botín. Para escapar da polêmica, o restaurante El Cuchi, quefica bem ao lado do Botín decidiu inovar. Em letras garrafais, mandou gravar na entrada: "Hemingway nunca comeu aqui ". E ponto final.

POR RONNY HEIN Matéria da Revista Viagem e Turismo de Março de 1996

Extraído da Coleção Viagem e Turismo em CD (Edição 2004)



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